A COP30 em Belém do Pará: Povos Originários e o Meio Ambiente
- Michele Duarte Vieira

- 4 de ago.
- 5 min de leitura
Em 2025, o mundo volta os olhos para Belém do Pará, coração da Amazônia brasileira, onde acontecerá a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30. A escolha da capital paraense carrega um simbolismo profundo: é um território de resistência, de biodiversidade única e de protagonismo dos povos originários na defesa ambiental. Em um contexto global marcado por desastres climáticos cada vez mais frequentes, a COP30 terá como palco uma região onde a relação com a terra é ancestral, viva e espiritual. E é justamente nesse solo que temas urgentes emergem com força renovada.

A importância de realizar a COP30 em Belém do Pará
Belém: não apenas um cenário, mas um agente de mudança
A decisão de sediar a conferência em Belém marca uma virada simbólica e política no debate climático. Pela primeira vez, a COP será realizada na Amazônia, e isso muda o eixo das decisões: da teoria global para a prática local. A floresta amazônica, frequentemente tratada como "pulmão do mundo", deixa de ser apenas objeto de discursos e passa a ser o epicentro das propostas.
A Amazônia Legal abriga mais de 180 povos indígenas, responsáveis pela preservação de quase 30% da vegetação nativa da região. São guardiões de saberes milenares sobre o uso sustentável da terra, da água e do ar. Escolher Belém significa reconhecer que não há justiça climática sem justiça social, nem preservação ambiental sem escuta ativa das vozes originárias.
O protagonismo dos povos originários na COP30
Das margens dos rios às mesas de negociação
Durante décadas, os povos indígenas foram invisibilizados nos fóruns de decisão internacionais. A COP30 será histórica por garantir espaço direto e oficializado a representantes originários em painéis centrais, e não apenas em eventos paralelos.
As principais pautas apresentadas por esses povos envolvem:
Demarcação e proteção dos territórios indígenas: considerados a base da manutenção da biodiversidade;
Reconhecimento jurídico de sistemas próprios de governança ambiental;
Participação direta nos fundos climáticos internacionais;
Respeito aos saberes tradicionais como ciência legítima.
A presença de lideranças como Sônia Guajajara, Davi Kopenawa Yanomami e jovens ativistas como Txai Suruí deve amplificar essas demandas para um público global.
Meio ambiente: o que estará em jogo na COP30
1. Florestas vivas, economias vivas
A pauta da proteção das florestas tropicais terá centralidade nos diálogos. Espera-se que os países amazônicos, Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, apresentem planos de ação integrados para o combate ao desmatamento ilegal.
Além disso, haverá pressão para que os países do Norte Global cumpram promessas anteriores de financiamento climático, especialmente os US$ 100 bilhões anuais pactuados na COP15. O desafio será garantir que esses fundos cheguem diretamente às comunidades que vivem nas florestas e não apenas aos governos centrais.
2. Transição energética justa
Embora a transição para energias limpas seja um consenso internacional, povos tradicionais da Amazônia têm alertado para os impactos de grandes empreendimentos "verdes", como hidrelétricas e parques solares que desrespeitam suas terras e modos de vida. A proposta de uma transição energética justa e contextualizada ganha força, exigindo que as soluções respeitem a autonomia local.
3. Crise climática e adaptação comunitária
Inundações, secas extremas e degradação de ecossistemas já são realidade para comunidades amazônicas. Uma das metas será reconhecer e financiar projetos de adaptação climática liderados por comunidades tradicionais, como manejo comunitário de lagos, agroflorestas e reflorestamento com espécies nativas.
Ponto a ponto: o que se espera das negociações
Passo 1 – Escuta ativa das lideranças indígenas
A primeira exigência concreta é que as lideranças originárias sejam recebidas com legitimidade e protagonismo. Isso significa romper com a prática de relegá-las a espaços simbólicos ou consultivos, garantindo seu assento em comitês decisórios e fóruns de formulação.
Passo 2 – Compromissos verificáveis contra o desmatamento
A COP30 deve gerar acordos objetivos, com metas específicas e prazos para a redução do desmatamento e da degradação florestal. Um dos pontos mais aguardados é a criação de mecanismos de fiscalização internacional que envolvam tecnologias de monitoramento e dados compartilhados com populações locais.
Passo 3 – Financiamento direto a povos e comunidades tradicionais
Os fundos climáticos precisam sair do papel e chegar às mãos das comunidades. Organizações indígenas propõem a criação de fundos autônomos geridos pelos próprios povos, com transparência e autonomia. Isso também demanda mudanças na burocracia internacional, que hoje dificulta o acesso direto a financiamentos.
Passo 4 – Inclusão dos saberes tradicionais nos sistemas científicos
O reconhecimento dos sistemas de conhecimento indígenas é crucial. Técnicas como roçados itinerantes, gestão de fogo controlado e manejo agroflorestal precisam ser legitimadas e incorporadas aos protocolos internacionais. Essa mudança exige que os países signatários reconheçam os povos originários como cientistas da terra.
Passo 5 – Criminalização efetiva de crimes ambientais e contra povos indígenas
A COP30 será também um espaço para exigir que os países punam crimes ambientais com seriedade, incluindo grilagem, invasões ilegais, garimpo predatório e violência contra defensores da floresta. A proposta de um tribunal climático internacional pode ganhar fôlego nesse contexto.
A força dos eventos paralelos e dos territórios culturais
Casa de saberes, aldeias vivas, ciência ancestral
Paralelamente às negociações oficiais, Belém receberá dezenas de espaços culturais e fóruns alternativos, organizados por povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e movimentos sociais. A "Aldeia Global dos Povos Originários", já em fase de planejamento, reunirá lideranças de todo o mundo em atividades que misturam rituais, debates políticos, feiras de sementes e rodas de canto.
Esses espaços têm papel estratégico: além de pressionar as decisões da COP30, também oferecem caminhos concretos de convivência com a floresta. O visitante poderá vivenciar tecnologias sociais amazônicas, modos de construir sem devastar, cozinhas que nutrem o corpo e o espírito e formas de espiritualidade conectadas com a terra.
A juventude indígena e o legado para o futuro
Mudando o tom do mundo com a voz da floresta
Um dos pontos altos da COP30 será o protagonismo das juventudes indígenas. Essas novas gerações têm feito pontes entre ancestralidade e inovação, mobilizando redes sociais, universidades e redes internacionais. Jovens como Daiara Tukano, Anapuaka Pataxó e Juma Xipaia vêm articulando com força mensagens de resistência que ganham o mundo.
A construção de políticas públicas com a participação ativa dessas juventudes pode gerar impactos duradouros. É a chance de redesenhar a política climática com base na educação intercultural, na justiça ambiental e em modelos regenerativos de desenvolvimento.
Para além de Belém: impactos esperados em nível global
Mudança de rota ou repetição do ciclo?
A COP30 poderá marcar um antes e depois nas políticas climáticas se as promessas deixarem de ser retóricas e se converterem em pactos vinculantes e orçamentos robustos. A expectativa é que Belém:
Pressione o Norte Global a pagar sua dívida ecológica com os povos do Sul;
Provoque uma mudança de narrativa, colocando os povos indígenas como protagonistas e não como vítimas;
Inspire outras regiões do mundo a valorizar suas culturas ancestrais como solução para o colapso ambiental.
O mundo caminha sobre um fio. A crise climática já não é previsão: é presença. A COP30 poderá ser o grito de alerta definitivo ou o primeiro suspiro de uma mudança possível.
Um convite à escuta da floresta
Belém não sediará apenas uma conferência. Sediará um chamado. Um chamado que ecoa do chão vermelho das aldeias, das folhas que cantam nos ventos amazônicos, das águas que insistem em seguir seus caminhos apesar das represas.
O que os povos originários oferecem ao mundo não é apenas resistência, mas um modo de existir. Um jeito de habitar o planeta com leveza, profundidade e reciprocidade. Não basta ouvir suas palavras. É preciso sentir o que a terra diz por suas vozes.
Que a COP30 em Belém do Pará não seja apenas um evento internacional, mas um rito de passagem planetário. Que possamos sair dele transformados: mais atentos, mais comprometidos e, acima de tudo, mais enraizados.





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