top of page

Design Inclusivo: Sinalização Tátil e Visual com Motivos Guarani

  • Foto do escritor: Michele Duarte Vieira
    Michele Duarte Vieira
  • 28 de out.
  • 6 min de leitura

O poder de sentir o espaço

O design inclusivo não se resume à estética, ele é uma linguagem que acolhe corpos, histórias e formas diversas de perceber o mundo. Quando falamos de sinalização tátil e visual, tratamos da possibilidade de todos, pessoas cegas, com baixa visão, surdas ou neurodivergentes, poderem se orientar, compreender e se relacionar com o ambiente.


Mas e se esse mesmo design trouxesse também um aspecto espiritual, cultural e ancestral? Incorporar motivos Guarani em sinalizações táteis e visuais é muito mais do que aplicar padrões gráficos: é unir acessibilidade e pertencimento. É fazer com que o espaço físico dialogue com o território simbólico dos povos originários, valorizando sua cosmologia, sua arte e seu modo de ver e sentir o mundo.

design inclusivo

A linguagem simbólica e o design inclusivo com motivos Guarani

O design inclusivo com motivos Guarani são expressões gráficas que representam forças da natureza, caminhos espirituais e relações entre seres. Cada traço, cada repetição geométrica, tem um significado ligado à vida e à harmonia.


Os desenhos em forma de losangos e linhas cruzadas, por exemplo, representam o entrelaçar dos mundos, o terreno e o espiritual. Já os padrões em espiral remetem ao movimento do tempo e à caminhada do ser em busca de equilíbrio.


Esses símbolos, quando integrados ao design contemporâneo, não devem ser usados como meras ilustrações decorativas. Eles carregam histórias e precisam ser tratados com respeito, compreendendo seu contexto ritual, espiritual e comunitário.


Inclusão que nasce do toque

O tato é o primeiro sentido a nos conectar com o mundo. Para pessoas com deficiência visual, ele é a principal ponte com o espaço. A sinalização tátil, portanto, não deve ser pensada apenas como tradução do visual, mas como uma linguagem autônoma, sensível e poética.


Imagine uma parede de orientação com relevo inspirado em grafismos Guarani, onde cada textura representa não apenas uma direção, mas uma narrativa. O visitante cego não apenas encontra o caminho, ele sente o território, toca a história e experimenta a arte indígena através das mãos.


Esse tipo de abordagem transforma o espaço em experiência multissensorial, reforçando que o design inclusivo é também um ato de escuta cultural.


Harmonia entre o ver e o sentir

O desafio está em criar uma linguagem visual e tátil que dialogue com dois mundos: o das percepções visuais e o das percepções sensoriais. O design Guarani oferece, nesse sentido, um repertório rico de formas repetitivas e estruturadas que podem ser traduzidas para o tato sem perder sua coerência simbólica.


Padrões de linhas paralelas, cruzamentos, repetições rítmicas e alternância de profundidades são características que se adaptam perfeitamente ao design tátil. Um piso direcional pode ter relevos que imitam os desenhos das cestarias Guarani; um mapa tátil pode conter símbolos inspirados nas tecelagens tradicionais para indicar áreas específicas, como a casa do conhecimento, o pátio ou o espaço de cura.


Dessa forma, o espaço não apenas orienta, mas comunica uma cosmovisão.


Códigos visuais que comunicam pertencimento

Para os povos Guarani, cada símbolo é um código de ligação com o sagrado. Ao levar esses elementos para o design inclusivo, o designer se torna mediador de culturas.


É essencial compreender que a identidade visual indígena não deve ser apropriada ou simplificada. Cada elemento deve ser estudado em colaboração com os artesãos, mestres e lideranças da comunidade. Isso garante autenticidade e respeito, além de criar uma oportunidade de diálogo entre saberes ancestrais e técnicas contemporâneas.


Assim, a sinalização torna-se uma ferramenta educativa e sensorial, transmitindo mensagens de inclusão e reverência cultural.


A textura como narrativa

Em sinalizações inclusivas, a textura cumpre um papel que vai além da função prática, ela pode contar histórias.


Nos projetos com motivos Guarani, o relevo pode seguir o ritmo dos cantos sagrados ou das trilhas do território. Cada ondulação, linha ou ponto pode ser desenhado para evocar o fluxo dos rios, o movimento do vento ou o pulsar da terra.


Essas texturas também podem ser criadas com materiais sustentáveis, como fibras naturais, madeiras certificadas e resinas ecológicas. O toque, nesse caso, comunica não apenas direções, mas valores: respeito à terra, à tradição e à diversidade.


A cor como elemento espiritual e comunicativo

No design inclusivo, o uso de cores contrastantes é essencial para garantir legibilidade. Mas quando incorporamos a estética Guarani, a cor ganha também uma dimensão simbólica.

  • Vermelho (urucum): representa o sangue, a força e o sol.

  • Preto (jenipapo): está ligado à sabedoria e à noite espiritual.

  • Branco: simboliza o amanhecer e a pureza dos caminhos.

  • Amarelo: remete ao equilíbrio entre mundos e à luz interior.

Usar essas cores com consciência, em contraste equilibrado e em harmonia com as texturas táteis, é criar um sistema visual que comunica tanto para quem vê quanto para quem sente.


Passo a passo para integrar motivos Guarani ao design inclusivo

1. Escuta e parceria com a comunidade: Antes de qualquer criação, é necessário dialogar com representantes Guarani. Entender o significado dos grafismos, pedir permissão para utilizá-los e, se possível, envolver artistas locais no processo. O design inclusivo começa com respeito.

2. Tradução simbólica para o tato: Nem todo grafismo pode ser reproduzido em relevo. Escolha padrões simples e simétricos, que transmitam o mesmo conceito visualmente e por meio do toque. O objetivo é que a textura mantenha a força simbólica sem comprometer a clareza tátil.

3. Escolha de materiais acessíveis e sustentáveis: Priorize superfícies que mantenham a sensação agradável ao toque — como madeiras lisas, resinas com relevo leve ou metais gravados. Evite materiais que acumulam calor ou sejam abrasivos.

4. Aplicação das cores com contraste funcional e simbólico: As cores devem ser escolhidas de forma a garantir acessibilidade visual, mas também expressar os significados Guarani. É possível, por exemplo, usar o contraste do preto do jenipapo sobre o vermelho do urucum em sinalizações de destaque.

5. Teste com usuários diversos: Convide pessoas cegas, com baixa visão e membros da comunidade Guarani para experimentar as sinalizações. Observe como cada pessoa interage e interprete as sensações. Essa escuta ativa é o coração do design inclusivo.

6. Integração ao espaço arquitetônico: As sinalizações não devem parecer “adicionadas”, mas parte orgânica do ambiente. Uma parede pode trazer uma textura inspirada em cestarias, um piso pode narrar um caminho espiritual, e uma placa pode conter palavras em português e em Guarani.

7. Educação e explicação cultural: Inclua QR Codes ou painéis explicativos que contem a história dos símbolos usados, traduzidos em português, Guarani e em Braille. A inclusão também é conhecimento compartilhado.


Exemplos de aplicação

Espaços culturais: Museus e centros de arte podem utilizar sinalização tátil com grafismos Guarani para conduzir o visitante entre exposições, transformando o percurso em uma experiência de imersão.

Ambientes educativos: Escolas e universidades podem criar mapas táteis inspirados em mitos Guarani, conectando acessibilidade com ensino intercultural.

Espaços públicos: Praças, trilhas ecológicas e parques podem adotar placas em relevo com símbolos tradicionais, permitindo que o visitante compreenda o ambiente de forma sensorial e simbólica.

Instituições de saúde: Hospitais e centros de cura podem utilizar as texturas e cores Guarani como elementos calmantes e equilibradores, respeitando tanto o aspecto inclusivo quanto o espiritual.


O diálogo entre tecnologia e tradição

Com o avanço das tecnologias de fabricação digital, como impressoras 3D e corte a laser, é possível criar sinalizações táteis complexas e personalizadas. Porém, o desafio está em manter a alma artesanal.


Uma forma ética de equilibrar isso é unir as duas pontas: o conhecimento técnico do designer e o saber manual dos artistas Guarani. As texturas podem ser esculpidas digitalmente com base em desenhos feitos à mão pelos artesãos, garantindo que o espírito da criação permaneça vivo.


Essa união de tecnologia e tradição amplia o alcance da cultura indígena, transformando cada projeto em um encontro entre tempos e saberes.


A acessibilidade como ato sagrado

No universo Guarani, tudo está interligado: corpo, terra, espírito e palavra. Trazer essa filosofia para o design inclusivo é reconhecer que a acessibilidade não é apenas uma questão técnica, é um princípio espiritual.


Fazer com que todos possam tocar, ver e compreender um espaço é um gesto de reciprocidade. É afirmar que o mundo foi feito para ser compartilhado, não segmentado.


Quando o design se inspira nos povos originários, ele deixa de ser apenas funcional e se torna também um instrumento de reconexão, entre humanos, natureza e cosmos.


Redesenhar o olhar sobre o design

Trabalhar com sinalização tátil e visual de inspiração Guarani exige uma mudança de paradigma: deixar de pensar em design como produto e começar a vê-lo como relação.


O designer torna-se tradutor entre mundos, o espaço torna-se narrador e o usuário, coautor da experiência. Cada textura, cada contraste de cor, cada símbolo deixa de ser um simples recurso estético para se tornar parte de uma linguagem espiritual que fala através da matéria.


Esse olhar transforma o design em território vivo, onde a beleza é sentida com as mãos e compreendida com o coração.


Caminhar sentindo a história

Quando o visitante percorre um espaço com sinalização tátil Guarani, ele não apenas se orienta, ele aprende. O toque nas formas e nas texturas faz surgir uma consciência nova: a de que ver é apenas uma das formas de perceber o mundo.


A inclusão, nesse contexto, é também reconciliação. Ao trazer os motivos Guarani para o design contemporâneo, o espaço se torna um lugar de encontro entre o ancestral e o moderno, entre o visível e o invisível.


Cada placa, cada caminho tátil e cada relevo tornam-se pontes que conectam culturas, tempos e modos de sentir.


E é nesse ponto de encontro que o verdadeiro design inclusivo floresce, quando a arte, a acessibilidade e a ancestralidade caminham juntas, tecendo o mesmo chão por onde todos possam passar, ver e tocar o mundo com respeito e beleza.

Comentários


bottom of page