História da criação do mundo Terena
- Michele Duarte Vieira

- 26 de jun.
- 5 min de leitura
A narrativa da criação do mundo pelos povos Terena é uma das mais antigas e fascinantes tradições orais das etnias indígenas do Brasil Central. Repleta de simbolismo, ensinamentos cósmicos e conexão com a natureza, essa história carrega não apenas elementos de fé e espiritualidade, mas também estruturas épicas que se adaptam perfeitamente à linguagem imersiva dos podcasts. Produzir um conteúdo sonoro baseado na cosmogonia Terena exige sensibilidade cultural, pesquisa legítima e técnicas de narrativa que respeitem a profundidade desse saber ancestral.
Neste guia, você vai aprender como construir um episódio impactante e respeitoso para seu podcast, com base na história da criação do mundo segundo os Terena, desde o contexto cosmológico até sugestões de trilhas sonoras, vozes e estrutura de roteiro.

Quem são os Terena e por que sua cosmogonia importa
O povo Terena habita regiões do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, além de áreas fronteiriças com Bolívia e Paraguai. São conhecidos por seu forte senso de identidade, suas assembleias comunitárias e um sistema espiritual centrado na reciprocidade com a natureza.
A cosmogonia Terena não é meramente uma história de origem: é um mapa de valores. Fala sobre equilíbrio, nascimento da terra, dos animais, das estações e dos seres humanos e sobre o papel do espírito ancestral Nanderuvusu, o grande criador. Levar essa história para o formato de podcast pode ser uma poderosa forma de preservação e valorização cultural, desde que feita com ética e cuidado.
As bases da criação do mundo segundo a tradição Terena
Antes de iniciar qualquer roteiro, é essencial compreender os principais eixos narrativos da tradição Terena. Abaixo estão os elementos mais comuns em diferentes versões orais da criação:
1. O tempo anterior ao tempo
No início, não havia céu, terra, rios ou luz. O universo era apenas escuridão e silêncio. Nesse vazio absoluto existia Nanderuvusu, o grande criador. Ele não era homem nem animal, mas um princípio cósmico: inteligência, energia e desejo de vida.
2. A separação entre céu e terra
Nanderuvusu decide criar. Primeiramente, separa o céu da terra. Em seguida, molda o mundo com sua palavra sagrada. A fala do criador tem o poder de transformar o nada em forma. É nesse momento que surgem os rios, os ventos, o fogo, os montes e os primeiros seres elementares.
3. O nascimento da vida
Dos elementos criados, Nanderuvusu forma os animais, as árvores e, por fim, os seres humanos. A primeira mulher e o primeiro homem são moldados da terra vermelha, com espírito soprado pelo criador. Eles recebem a missão de cuidar do mundo, manter o ciclo da vida e respeitar todas as coisas vivas.
4. O surgimento das estações e da morte
Como em muitas mitologias, o povo Terena entende a morte como parte do ciclo. Nanderuvusu ensina que tudo o que nasce também deve partir, para manter o equilíbrio. Assim surgem o dia e a noite, a chuva e a seca, o verão e o frio, todos sinais de que o mundo está vivo e em constante renovação.
Etapas para transformar essa cosmogonia em um episódio impactante
Contar essa história em um podcast requer mais do que ler uma lenda: é preciso imersão, estrutura e voz narrativa. Veja como fazer isso passo a passo.
1. Pesquise com fontes legítimas
Antes de qualquer coisa, consulte fontes confiáveis e, se possível, entre em contato com representantes ou anciãos do povo Terena. Essa história não é de domínio público no sentido genérico: ela pertence a uma cultura viva. Você pode consultar obras como:
Registros etnográficos do ISA (Instituto Socioambiental);
Tese de doutorado de indígenas Terena que atuam na educação;
Relatos em livros como “A Voz do Espírito” (organizado por estudiosos indígenas);
Entrevistas com pajés e anciãos, quando autorizadas.
2. Escolha o formato do episódio
Você pode optar por um episódio narrativo ou misto (narrativo + comentários). Aqui estão dois exemplos de formatos:
Formato narrativo imersivo: Apenas a história, com ambientação sonora. Ideal para envolver o ouvinte numa experiência sensorial.
Formato explicativo reflexivo: Alterna trechos da narrativa com comentários seus, contextualizando os valores e simbologias para o público. Pode ser educativo e envolvente ao mesmo tempo.
3. Estruture o roteiro com ritmo e emoção
A estrutura do episódio deve respeitar a cadência da tradição oral. Use pausas, sons naturais e diferentes intensidades de voz. Uma sugestão de estrutura seria:
Abertura envolvente: sons de floresta, silêncio inicial e uma pergunta retórica (“Você já se perguntou como nasceu o mundo, segundo os Terena?”);
A escuridão original: comece com a descrição do vazio e do criador. Voz baixa e introspectiva;
O gesto criador: use uma virada sonora quando o mundo começa a ser formado. Insira sons de água, vento, pedras;
O surgimento da humanidade: use música suave, como flautas ou cantos Terena se houver autorização;
O ensinamento sobre a morte e os ciclos: aqui o tom pode ser contemplativo. Mostre a sabedoria presente no equilíbrio;
Encerramento sensível: convide o ouvinte à reflexão (“O que podemos aprender com essa origem?”), sem usar o tom de “fim de história”.
4. Use trilhas e efeitos sonoros com sensibilidade
Evite trilhas genéricas de suspense ou drama. Dê preferência a sons naturais: cantos de pássaros do Cerrado, águas correntes, sopros de vento. Caso utilize música indígena, peça autorização formal, pois são expressões culturais protegidas.
Ferramentas como Audacity, Descript ou Adobe Audition ajudam a mesclar camadas sonoras com suavidade. Mantenha o volume da trilha abaixo da narração.
5. Cuide da voz narrativa
A voz deve evocar a oralidade cerimonial. Você pode usar:
Voz masculina ou feminina com tom firme, pausado;
Se tiver acesso, convide um narrador indígena (com consentimento e créditos);
Evite entonações caricatas ou excessivamente “teatrais”.
Uma boa prática é gravar em estúdio ou usar microfones de lapela com redutor de ruído. Isso aumenta a qualidade e o respeito pela história.
6. Ofereça contexto sem didatismo
Se você incluir comentários explicativos, evite "dar aula". Em vez disso, insira reflexões:
“Essa parte da história nos mostra que, para os Terena, o mundo não nasceu da guerra ou do acaso, mas da intenção de um criador que molda com a palavra. Isso tem algo a dizer sobre como usamos a fala hoje?”
7. Cite e credite corretamente
Ao publicar, coloque no seu site, Spotify ou descrição do episódio:
Fonte da narrativa;
Nome dos entrevistados (se houver);
Autorização cultural, caso envolva material sensível.
Isso não só valoriza o conteúdo, como protege seu projeto de apropriação indevida.
8. Envolva o público com perguntas ao final
Estimule a continuidade da conversa. Algumas sugestões:
“Quais histórias de origem você ouviu quando criança?”
“Já pensou em como seria sua relação com o mundo se você tivesse crescido com esse mito como referência?”
“Quer conhecer outras cosmogonias indígenas em episódios futuros?”
Você pode convidar os ouvintes a enviarem áudios ou mensagens comentando suas impressões. Isso fortalece a comunidade em torno do seu podcast.
9. Amplifique vozes indígenas
Considere abrir espaço para episódios com convidados indígenas, especialmente Terena. Convide educadores, artistas ou estudiosos para comentar o episódio ou narrar outras histórias. Isso legitima o conteúdo e ajuda na luta contra o apagamento cultural.
10. Publique com responsabilidade e amplie o alcance
Ao divulgar seu episódio:
Use hashtags como #PodcastIndígena #CosmogoniaTerena #HistóriasDoBrasilProfundo;
Marque organizações sérias como o Instituto Socioambiental (ISA) ou coletivos indígenas;
Lance o episódio próximo a datas simbólicas, como o Dia dos Povos Indígenas (19 de abril).
Você também pode criar um mapa visual no seu site mostrando onde vivem os Terena hoje, com links para escolas indígenas e projetos culturais locais.
Nada se compara à força de uma história bem contada. Quando você transforma uma cosmogonia ancestral como a do povo Terena em uma experiência sonora respeitosa, você contribui para manter viva uma sabedoria que resistiu ao tempo, ao colonialismo e ao esquecimento. Você também educa seus ouvintes para ouvir com mais profundidade, não apenas sons, mas mundos inteiros.
Que sua voz ecoe como o sopro de Nanderuvusu: criador de mundos e moldador de escutas atentas.





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