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Os 5 Mitos Guarani que Todo Viajante Deve Contar

  • Foto do escritor: Michele Duarte Vieira
    Michele Duarte Vieira
  • 8 de jun.
  • 5 min de leitura

Viajar é mais do que deslocar o corpo por diferentes paisagens. É mergulhar em universos invisíveis, histórias que pulsaram muito antes da estrada ser traçada. No coração da mata, à beira dos rios, sob o som dos cantos cerimoniais, os povos Guarani guardam mitos que explicam o mundo com beleza, força e espiritualidade. Contar essas histórias com respeito e impacto é mais do que entretenimento: é um elo entre mundos.


Neste percurso, você vai conhecer cinco mitos Guarani essenciais e aprender como narrá-los de forma legítima, encantadora e culturalmente consciente, para tocar quem ouve e honrar quem os compartilhou com o mundo.

Viajante

1. Ñamandu, o Primeiro Ser: a origem da sabedoria


O mito

Ñamandu Ru Ete é o ser primordial na cosmologia Guarani. Ele existia antes mesmo do tempo, envolto em sua luz interior e em completo silêncio. Deste silêncio luminoso, nasceu o conhecimento. Ñamandu criou os fundamentos do mundo através do Ayvu Rapyta, o “fundamento da palavra”.


Ao contrário de muitos deuses de culturas ocidentais, Ñamandu não criou o mundo com as mãos, mas com o pensamento e a palavra, elementos considerados sagrados pelos Guarani.


Como narrar com impacto

1. Comece com um silêncio proposital: Feche os olhos por um instante e diga: “Antes do tempo… antes da luz… havia apenas pensamento”;

2. Use pausas entre frases curtas, para evocar o silêncio primordial;

3. Enfatize a ideia de criação através da palavra: Convide os ouvintes a refletirem sobre o poder de suas próprias palavras e pensamentos.


Dica extra: Narre ao entardecer, sob uma árvore, para ampliar a sensação de origem e mistério.


2. Os Quatro Irmãos e a missão de salvar o mundo


O mito

Após criar o mundo, os deuses perceberam que ele poderia se perder. Então enviaram quatro irmãos divinos, Tupã, Karaí, Jakairá e Nhamandu Mirim, para descerem à Terra. Cada um trazia um dom: o fogo, a chuva, o vento e o conhecimento. Sua missão era guiar os povos originários e ensinar como viver em harmonia com a natureza.


Essa história é um marco da ética Guarani: equilíbrio com o ambiente, sabedoria espiritual e ações com propósito.


Como narrar com impacto

1. Personifique os elementos: Faça cada irmão "falar" com uma voz diferente: grave para o fogo, suave para o vento, vibrante para a chuva, serena para o conhecimento;

2. Crie expectativa com a chegada de cada irmão: “Do sul, vinha uma canção quente... Era Karaí, o portador do fogo.”;

3. Encerre com uma pergunta reflexiva: “Se esses irmãos aparecessem hoje, o que diriam de nosso mundo?”;


Dica extra: Conte essa história em roda, com quatro objetos representando os elementos. Passe-os entre os ouvintes ao nomear cada irmão.


3. A queda de Rupavê: o preço da desobediência


O mito

Rupavê era um pai ancestral, cuja vida com os filhos se baseava em equilíbrio, respeito e ordem espiritual. Um dia, um de seus filhos quebrou o teko, o modo de ser Guarani, ao caçar excessivamente e matar um animal sagrado. Isso causou uma ruptura na relação com os espíritos da floresta, e Rupavê, em tristeza profunda, desapareceu do mundo dos vivos.


Esse mito ensina sobre os limites do poder humano e a importância da moderação.


Como narrar com impacto

1. Mude o ritmo: Comece leve, como uma história familiar, e depois torne o tom mais sombrio com a violação da regra sagrada;

2. Use sons para marcar a transição: Um estalar de dedos ao citar a quebra da ordem, ou o som de folhas sendo amassadas;

3. Conecte com o presente. “Quantas vezes, na pressa da vida moderna, somos como o filho de Rupavê?”


Dica extra: Em trilhas ou locais de caça turística, conte essa história como introdução ética ao respeito ambiental.


4. A lenda de Kerana e os sete monstros


O mito

Kerana, uma jovem de beleza sobrenatural, foi raptada por Tau, o espírito do mal. Seus sete filhos nasceram amaldiçoados: monstros com formas híbridas de animal e humano. Cada um representa um aspecto do medo, da punição ou da desordem. Entre eles está Mbói Tu’i, a serpente-papagaio dos rios, e Ao Ao, o devorador de homens.


Apesar da monstruosidade, os Guarani enxergam esses seres como guardiões de fronteiras espirituais e lembranças do que acontece quando o equilíbrio é rompido.


Como narrar com impacto

1. Estabeleça o suspense: Descreva Kerana aos poucos, como alguém que “ninguém podia encarar sem desviar os olhos”;

2. Use repetição: “Kerana teve um filho. E outro. E outro… Sete filhos. Sete maldições.”;

3. Permita que o ouvinte imagine: Descreva os monstros com metáforas em vez de detalhes exatos: “tinha olhos como pedras úmidas e um corpo que sussurrava como vento entre cipós”.


Dica extra: Essa história impacta mais à noite, com luz de fogueira ou lanterna, criando sombras ao redor.


5. A ascensão a Yvy Marã Ey: o paraíso Guarani


O mito

Os Guarani acreditam em um lugar perfeito chamado Yvy Marã Ey, a “Terra Sem Mal”. Mas esse paraíso não é dado: é conquistado com pureza de alma, resistência, cantos sagrados e longas caminhadas. É o destino das almas justas e também de comunidades inteiras que decidiram migrar, conduzidas por líderes espirituais chamados karaí.


Esse mito motivou inúmeras caminhadas históricas dos Guarani em busca do bem viver, sempre rumo ao leste, onde nasce o sol.


Como narrar com impacto

1. Use metáforas de luz: “Eles caminhavam com o sol dentro dos olhos, pois o corpo cansa, mas a esperança não.”;

2. Simule a jornada. Ande em círculos leves ou use sons de passos ao fundo. Convide o público a imaginar cada passo, cada noite sem abrigo;

3. Finalize com encantamento. “Alguns dizem que chegaram. Outros que ainda caminham. Mas todos, ao escutarem o canto certo, sentem que estão mais perto.”


Dica extra: Ideal para narrar ao amanhecer, como símbolo de novos começos.


Como preparar seu corpo e voz para narrar mitos Guarani

Para que sua contação de histórias seja respeitosa e impactante, é preciso mais do que repetir palavras. É necessário se alinhar com a energia da narrativa. Aqui está um passo a passo:


Etapa 1: Respire como se fosse um canto

Antes de começar, inspire profunda e lentamente. Os Guarani valorizam a voz como extensão do espírito. Fale com ritmo, com o peito cheio de intenção, como se cada frase fosse um verso de canção.


Etapa 2: Escolha um lugar conectado

Evite lugares barulhentos ou artificiais. Prefira ambientes naturais, mesmo que simples: uma sombra de árvore, uma fogueira, uma margem de rio. A natureza amplifica a verdade dos mitos.


Etapa 3: Honre o idioma original

Sempre que possível, mencione uma ou duas palavras-chave na língua Guarani, explicando com cuidado. Isso conecta o ouvinte à musicalidade e ao universo sonoro do povo originário.


Exemplos:

  • Ayvu Rapyta (fundamento da palavra);

  • Teko (modo de ser);

  • Yvy Marã Ey (Terra Sem Mal).


Etapa 4: Evite clichês folclóricos

Os mitos Guarani não são "fábulas indígenas", nem meras curiosidades. São estruturas espirituais vivas. Ao narrá-los, mantenha o tom sagrado, evite infantilização e priorize a escuta profunda.


Etapa 5: Dê espaço ao silêncio

Entre partes impactantes, permita o silêncio. Ele não é vazio — ele deixa a alma escutar o que a mente ainda não compreendeu.


Mais do que histórias: encontros entre mundos

Ao narrar esses mitos, você não está apenas falando, está evocando presenças, recriando caminhos, acendendo fogueiras na memória coletiva. Cada palavra que você disser poderá ser semente no coração de quem ouve.


Os mitos Guarani não pertencem ao passado. Eles pulsam no presente de quem canta, de quem caminha, de quem resiste. Quando você compartilha essas narrativas com reverência, contribui para manter viva a sabedoria ancestral, não como algo exótico, mas como algo essencial.


Seja em uma roda de viajantes, em um acampamento à beira-rio ou em uma escola de mata adentro, lembre-se: você está tecendo pontes invisíveis entre tempos e espíritos. E talvez, enquanto conta… você mesmo esteja a caminho de Yvy Marã Ey.

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