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Passo a passo: Paletas de Cores Inspiradas na Natureza Guarani

  • Foto do escritor: Michele Duarte Vieira
    Michele Duarte Vieira
  • 9 de jun.
  • 5 min de leitura

A natureza é uma biblioteca silenciosa de sabedorias visuais, e para o povo Guarani, cada cor tem um sentido profundo: espiritual, territorial e afetivo. Ao caminhar pela mata atlântica ou observar os rituais tradicionais, um universo cromático se revela, não como estética isolada, mas como parte viva da cosmopercepção Guarani. Desenvolver paletas de cores a partir dessa fonte exige sensibilidade, escuta e respeito.


Neste percurso, vamos aprender a criar paletas visuais fundamentadas na natureza Guarani, guiados por uma abordagem legítima, sensível e respeitosa. O foco não está apenas no design, mas em compreender como as cores fazem parte de um mundo relacional, de uma teia viva entre humanos, espíritos, plantas, animais e ciclos da terra.

Paletas de cores

O que significa criar paletas de cores inspiradas na natureza Guarani com referência à natureza Guarani?

Antes de qualquer passo técnico, é fundamental reconhecer que o uso de referências indígenas, especialmente visuais, exige ética. Cores Guarani não são apenas “tons bonitos da floresta”, elas têm sentido ancestral, simbólico e cerimonial. Por isso, desenvolver paletas inspiradas nesse universo deve partir de uma escuta sincera e de um desejo de coabitar respeitosamente com esse conhecimento, não de apropriação.


A natureza, para o povo Guarani, não é cenário: é entidade. A mata, o céu, os rios, os pássaros e os frutos são partes de um mundo onde tudo tem voz. Quando você escolhe um verde inspirado no cipó que cresce junto ao tekoha (território sagrado), ou um vermelho tirado da plumagem do guará, está acessando algo maior do que pigmento, está acessando um modo de viver.


Etapa 1: Escuta profunda da paisagem


Observar com os sentidos, não apenas com os olhos

A primeira etapa não exige tela nem software, mas presença. A paleta nasce na observação. Para isso, busque imagens, vídeos ou, se possível, vá a campo em uma região de mata atlântica, respeitando os limites dos territórios Guarani. Repare:

  • Como a luz do amanhecer afeta os tons da floresta?

  • Quais cores aparecem no chão após a chuva?

  • Qual o padrão de tons na plumagem de um pássaro nativo?

  • Quais frutas amadurecem juntas?


Anote sensações junto com as cores. Isso fará diferença mais adiante.


Fotografia e coleta ética de imagens

Se for usar imagens como base para extração de cores, priorize bancos de dados abertos, fotografias feitas com permissão ou registros próprios. Evite capturar imagens de rituais ou adereços sagrados sem autorização. Lembre-se: uma paleta inspirada deve sempre manter o respeito à origem.


Etapa 2: Escolher um eixo temático natural


Foco gera profundidade

Para criar uma paleta coesa, escolha um eixo específico da natureza Guarani. Exemplos:

  • Frutos nativos da estação seca (urucum, araticum, jabuticaba);

  • Pássaros cerimoniais (surucuá, guará, gavião-pato);

  • Paisagens sonhadas (nascer do sol sobre a mata, céu após a queimada);

  • Elementos de cura (ervas, cascas e cipós usados nos rituais de rezador).


Essa decisão vai guiar as cores e também os significados da paleta. Quanto mais específico for o recorte, mais autêntico será o resultado.


Etapa 3: Extração cromática com propósito


Ferramentas para coleta de cor

Utilize softwares como Adobe Color, Coolors ou ferramentas gratuitas como ImageColorPicker. Carregue a imagem escolhida (ou fotografia tirada com cuidado) e extraia as cores principais. Tente capturar:

  • Um tom predominante (cor de base);

  • Dois tons complementares (acréscimo de contraste ou profundidade);

  • Um tom suave (equilíbrio visual);

  • Um tom vibrante (destaque emocional).


Exemplo de paleta inspirada na plumagem do surucuá:

Elemento

Código hexadecimal

Descrição

Azul profundo

Base, sombra cerimonial

Verde musgo

Complemento vegetal

Vermelho urucum

Destaque cerimonial

Amarelo folha seca

Tom suave da estação

Cinza pedra

Fundo e equilíbrio

Significado simbólico e não apenas estético

Após extrair as cores, pesquise e reflita: o que cada uma representa na cosmologia Guarani? Converse com fontes legítimas, leia materiais produzidos por lideranças ou educadores Guarani. Se não tiver acesso direto, pelo menos evite interpretações pessoais sem respaldo.


Etapa 4: Montar a paleta visual com sensibilidade


Composição gráfica e equilíbrio simbólico

Monte a paleta em um documento visual (Adobe Illustrator, Canva, Figma, ou até PowerPoint). Crie blocos com cada cor, nomeando-os com um título respeitoso. Evite nomes genéricos como “verde escuro” ou “vermelho forte”. Em vez disso:

  • Verde karai (inspirado na folha usada pelo pajé);

  • Vermelho guará (da ave associada ao fogo ancestral);

  • Azul nhembo’e (do céu antes da reza).


Isso fortalece a legitimidade do trabalho e valoriza a ancestralidade.


Teste em composições simples

Aplique sua paleta em pequenos protótipos: um cartaz fictício, uma estampa, um fundo de tela. Verifique se as cores funcionam harmonicamente e respeitam a ideia original. Se for para uso público, sempre informe a origem da inspiração e, se possível, dialogue com uma fonte Guarani legítima.


Etapa 5: Registrar os significados e compartilhar com cuidado


Criar um glossário da paleta

Para cada cor extraída, escreva:

  • Nome da cor;

  • Código hexadecimal;

  • Fonte de inspiração (com imagem, se possível);

  • Breve contexto simbólico (respeitoso e sem romantização).


Exemplo:

Cor: Vermelho guará;

Hex: #C13F25;

Inspiração: Pena do guará, observada nas margens do litoral sul;

Significado: Associada ao fogo sagrado e à proteção espiritual nos rituais.


Esse glossário não só organiza o processo como também mostra responsabilidade cultural.


Compartilhamento consciente

Se for divulgar sua paleta nas redes, em portfólios ou projetos gráficos, seja transparente. Use legendas como:

"Paleta inspirada na fauna sagrada da mata atlântica, com base no conhecimento visual Guarani. Produzida com referência ética e foco na valorização, não na apropriação."

Incluir links para textos ou iniciativas Guarani é uma forma de fortalecer pontes.


Etapa 6: Rever o processo com humildade


Escuta como ciclo, não como etapa única

Depois de montar a paleta, olhe para ela como quem olha para um rio: ele muda, ele fala, ele cobra. Reveja:

  • Eu estou representando ou interpretando demais?

  • Tenho respaldo para usar essa paleta em determinado contexto?

  • Estou aberto a críticas de pessoas Guarani?


Criar a partir da natureza de outro povo exige humildade constante. Melhor do que “acertar” é seguir aprendendo.


Cores que respiram ancestralidade

Desenvolver paletas de cores inspiradas na natureza Guarani é mais do que buscar harmonia visual: é se aproximar de um mundo onde cada tom tem memória, cada brilho tem história e cada sombra ecoa vozes antigas. Não se trata de encaixar o saber Guarani dentro das lógicas do design ocidental, mas de deixar que ele nos ensine a criar com alma, escuta e vínculo.


Ao final deste caminho, o que você terá não é só uma paleta, é uma conversa silenciosa entre pixels e raízes. Uma forma de fazer do seu trabalho uma ponte, não um espelho. Que suas cores honrem os ciclos da terra, e que cada projeto inspirado carregue também o desejo de aprender, respeitar e devolver.


Porque no mundo Guarani, nada se cria sozinho. Tudo é parte da teia. E agora, talvez, sua paleta também seja.

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