top of page

Workshops com Artesãos Guarani: Convidando para Co-Criação

  • Foto do escritor: Michele Duarte Vieira
    Michele Duarte Vieira
  • 6 de jul.
  • 5 min de leitura

Por que co-criar com os Guarani é mais que um convite artístico

Não se trata apenas de trazer artesãos Guarani para “ensinar” técnicas manuais. Quando um workshop com artesãos Guarani colaborativo é realizado com mestres da arte originária, estamos diante de um momento de aliança entre saberes, onde a estética carrega significado, a técnica está a serviço do espírito e cada fio ou traço traz consigo uma cosmovisão ancestral.


Nos encontros de co-criação com os Guarani, não se compartilham apenas materiais, compartilha-se tempo, cuidado, palavra e escuta.


Esses workshops vão além da lógica do “faça você mesmo”. São espaços vivos onde corpo, memória e território se entrelaçam com cada gesto. E, para que isso aconteça de forma legítima e respeitosa, é necessário mais do que boa vontade: é preciso preparação, sensibilidade e escuta verdadeira.

artesãos Guarani

O que diferencia um workshop comum de uma co-criação com povos originários?

Muitas oficinas manuais ocorrem com foco em produção, técnica ou resultado estético. Quando o processo envolve artesãos Guarani, estamos lidando com uma forma de fazer que carrega código espiritual, contexto simbólico e papel coletivo.


Aqui estão algumas diferenças fundamentais:

Workshop Comum

Co-criação com Artesãos Guarani

Foco no produto final

Foco na relação e no processo

Técnica como fim

Técnica como veículo de ensinamento

Estética decorativa

Estética simbólica e identitária

Objetos neutros

Artefatos com significado espiritual

Cronograma rígido

Tempo moldado pelo ritmo do grupo e da natureza

Participação individualizada

Participação coletiva e ritualizada

Saber isso desde o início transforma toda a condução do workshop — desde o convite até o momento do encerramento.


Etapas práticas para realizar um workshop legítimo com artesãos Guarani


1. Construir confiança antes de planejar qualquer atividade

Antes de pensar em formato, tema ou datas, é necessário estar presente e escutar. Isso significa visitar a comunidade, ouvir as lideranças, entender as dinâmicas internas, conhecer os tempos do grupo e, principalmente, perguntar se existe interesse real em participar.


Evite a ideia de “levar oportunidade”. Prefira abrir um espaço de escuta mútua. Muitos erros começam quando se tenta “empregar” artistas indígenas sem considerar que eles já são mestres em seus contextos.


2. Co-definir o tema e os materiais da oficina

Nada deve ser pré-definido sem diálogo. Os Guarani podem propor a produção de itens com grande valor simbólico, como cestos cerimoniais, instrumentos de cura ou colares com significado ritual.


Cabe a quem convida perguntar, não impor:

  • O que vocês gostariam de compartilhar?

  • Há algum objeto ou saber que pode ser ensinado com segurança?

  • Que tipo de material é necessário?

  • Existem restrições espirituais quanto à reprodução ou à venda?


A co-criação começa aqui: no tema escolhido com respeito e sentido compartilhado.


3. Criar um ambiente de cuidado e não de performance

Evite espaços barulhentos, cronometrados ou sem acolhimento. O ambiente ideal para esse tipo de oficina deve:

  • Ter um espaço circular (evitando mesas escolares ou auditórios);

  • Ter silêncio e momentos de canto ou pausa, caso os convidados desejem;

  • Oferecer alimentos e descanso durante a atividade;

  • Permitir que o tempo do processo seja mais importante que a entrega final.


A escuta ativa e o acolhimento são mais relevantes do que a produção acelerada. O cuidado com o ambiente é uma forma de honra.


4. Documentar com ética (ou não documentar)

Antes de registrar vídeos ou fotos, é obrigatório pedir autorização, tanto dos participantes quanto dos mestres Guarani.


Muitas vezes, certos momentos do processo não devem ser gravados nem divulgados, pois envolvem saberes de transmissão oral protegidos por regras próprias.


Se o grupo autorizar a documentação:

  • Dê crédito com nome completo dos artesãos;

  • Evite colocar a pessoa como “ilustrativa” ou “folclórica”;

  • Permita que eles mesmos participem da curadoria do material;

  • Se houver publicação, ofereça cópias físicas, digitais ou acesso integral às imagens produzidas.


Registrar sem cuidado é invadir uma memória sagrada.


5. Remunerar com justiça e visibilidade

O trabalho artístico originário deve ser remunerado com ética e dignidade, tanto quanto um designer, artista plástico ou palestrante especializado.


Recomenda-se:

  • Estipular valores com base na duração da oficina e na produção envolvida;

  • Cobrir transporte, alimentação e hospedagem com conforto;

  • Não condicionar o pagamento à venda dos produtos criados;

  • Oferecer também visibilidade e autoria, citando os nomes dos mestres em materiais de divulgação, catálogos ou exposições.


Tratar como “colaboração voluntária” é apagar o valor do saber ancestral. Justiça começa pelo reconhecimento concreto.


Temas possíveis para workshops com mestres Guarani

A diversidade cultural dos Guarani é ampla e regionalizada, e cada comunidade tem suas práticas específicas. Abaixo, algumas possibilidades que surgem com frequência nos encontros de co-criação:

Tecelagem e trançados simbólicos

  • Pulseiras com significados protetores;

  • Cestos usados em rituais femininos;

  • Cordões com sementes cantadas.


Pintura corporal e grafismos

  • Introdução aos padrões visuais e seus significados;

  • Pinturas temporárias em papel ou tecido;

  • Oficinas de autoexpressão simbólica com tintas naturais.


Produção de artefatos cerimoniais

  • Cocares de pequeno porte com explicação dos materiais;

  • Flautas e maracás com histórias incorporadas;

  • Enfeites para espaços coletivos.


Elementos de cura e proteção

  • Amuletos com ervas e sementes;

  • Pequenos instrumentos usados por curandeiros;

  • Histórias de plantas que acompanham a criação.


Cada tema pode se tornar uma porta de entrada para o respeito profundo à cosmovisão Guarani.


O que não deve ser feito de forma alguma

Para garantir que o workshop não se torne um simulacro ou uma apropriação, alguns cuidados são essenciais:

  • Nunca reproduzir elementos sagrados fora de contexto (como máscaras de pajé, cocares cerimoniais, ou pinturas de iniciação);

  • Evitar pedir para "ensinar a fazer igual" algo que tem função espiritual;

  • Jamais filmar ou divulgar frases descontextualizadas dos artesãos;

  • Não tratar os mestres como “personagens” para entreter visitantes;

  • Evitar intermediários que falam por eles sem autorização direta.


Um workshop colaborativo real é construído com a permissão, o desejo e o protagonismo do próprio povo.


Quando o verdadeiro aprendizado acontece

Ao longo dos encontros de co-criação, algo começa a mudar. Não apenas nas mãos que trançam ou nos olhos que observam. Muda a maneira como o tempo é vivido, como o espaço é percebido, como o silêncio ganha valor.


Um participante pode achar que está “aprendendo a fazer um colar”. Mas, na verdade, está desaprendendo pressa, aprendendo escuta, reconhecendo mundos.


É comum que, ao final de uma oficina como essa, as pessoas levem algo nas mãos, mas o que mais pesa é o que carregam no coração.


Quando o colar vira ponte e o cesto vira canto

A arte Guarani não é decorativa: ela é forma viva de manter a memória, a proteção, o ensinamento. Num workshop colaborativo bem conduzido, os objetos criados se tornam pontes simbólicas entre mundos.


Um cesto pode carregar não só sementes, mas também histórias de matas antigas. Um colar pode conter a intenção de proteção para quem o usa. Um trançado pode simbolizar o tempo que une avós e netas em silêncio e paciência.


E para quem participa com respeito, esses objetos se tornam mais do que lembranças: se tornam compromissos com o que foi compartilhado.


Porque, ao convidar um artesão Guarani para co-criar, você não está apenas organizando uma oficina. Você está aceitando um convite para entrar com cuidado num universo ancestral onde tudo tem alma, inclusive o gesto de ensinar.

Comentários


bottom of page